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terça-feira, 4 de março de 2008

Pêlos na púbis? Por quê?

Nos comentários do post anterior, foi levantada uma dúvida sobre quais as causas de ainda retermos pêlos próximos aos genitais. Se perdemos os pêlos justamente para evitar parasitas, por que teríamos que permanecer peludos nos locais mais íntimos? Para termos parasitas só ?
Há estudos que sugerem a presença dos pêlos como atrativo sexual, já que eles são (ou seriam) capazes de reter odores dos feromônios. Mas a questão pode ser um pouco mais complexa.

Os povos indígenas americanos (não sei de outros, pois nunca li sobre outros povos) possuem pouquíssimos pêlos - ou somente cabelos -, inclusive ! Ao mesmo tempo, os povos das regiões árticas, como nórdicos, russos e outros, são caracterizados por serem bem peludos (hehehe, não tem como não lembrar do Zangief do Street Fighter!). Como a temperatura da bolsa escrotal não pode variar da mesma forma que o restante de nossa pele - caso contrário a produção de espermatozóides é comprometida -, é fácil deduzir que os povos que se desenvolveram no frio precisavam de maior isolamento nas áreas pélvicas que os povos indígenas americanos, cuja maioria evoluiu em ambientes mais amenos e expostos a uma maior diversidade de parasitas.

Atualmente a quantidade de pêlos no corpo é de certa forma bagunçada, devido à miscigenação dos povos, reflexo da elevação da capacidade de deslocamento da espécie humana - palavras bonitas para dizer que o que tem ocorrido nos últimos milhares de anos é uma suruba étnica... Já os pêlos pubianos femininos também seriam retidos, caso esta característica não esteja unicamente relacionada aos cromossomos sexuais.

Como foi dito no outro post, a hipótese da proteção contra parasitas para explicar a nudez humana pode não ser suficiente para explicar todo o contexto evolutivo envolvido na quantidade de pêlos da nossa espécie. Lembremo-nos que a Seleção Natural é um jogo de pressões evolutivas das mais variadas e imprevisíveis, o que torna este campo de estudos da Biologia particularmente maravilhoso.

É isso. Hoje não tem referência, trata-se de uma consideração pessoal advinda de diversas leituras independentes ao longo dos últimos anos. Justamente por isso, os comentários serão especialmente bem vindos!

segunda-feira, 3 de março de 2008

Nu com a mão no bolso...

Dias atrás recebi pelo e-mail uma notícia, contando sobre uma chimpanzé fêmea, do zoológico de Saint Louis, chamada Cinder, portadora de uma doença que faz com que todos os pêlos de seu corpo caiam. O zoológico tem fotos desta chimpanzé divulgada em seu sítio, para o deleite de todos os curiosos (como eu!). A imagem é fascinante, pois é inegável a semelhança de sua estrutura corporal com a de um homem atarracado e forte. Ela nos faz pensar como toda a pelagem do chimpanzé esconde sua forma física e sua aparência tão parecida com a de um humano. A pelagem rala dos seres humanos, em comparação aos outros hominídeos primatas, tem intrigado biólogos, cientistas e curiosos há anos. Ela é a nossa característica mais conspícua (evidente), capaz de nos separar, mesmo que por muito pouco, dos outros grandes macacos (prefiro o termo great apes), como o chimpanzé, o bonobo, o gorila e o orangotango. Qual terá sido a vantagem em ter uma pelagem tão fina e curta, capaz de estabelecer tão bem em nossa espécie tal característica?

Inúmeras propostas têm sido levantadas desde os primórdios dos estudos evolutivos. Muitas são criativas, outras, difíceis de serem suportadas ou bastante extravagantes.

Antes de tudo, precisamos compreender que os primeiros hominídeos bípedes evoluíram numa África em processo intenso de savanização. É muito simples se imaginar num ambiente de savana, pois temos um Cerrado imenso (apesar de bastante degradado) no Brasil, com configurações climáticas semelhantes, ou seja, um clima quente, por vezes seco, vegetação rasteira-arbustiva e, portanto, com intensa radiação solar. Agora pare e pense: qual a vantagem em ficar pelado no meio da savana africana, torrando sob o sol escaldante?

É sabido que uma cobertura de pêlos é eficaz no isolamento térmico e ajuda a enfrentar temperaturas altas (pergunte aos beduínos por que eles usam tantas roupas no meio do deserto), evitando que o indivíduo superaqueça, sem contar na proteção da pele contra os raios U.V. É engano nosso imaginar que quanto menos roupas, mais fresquinho ficamos – não, não precisa ir à praia com roupa para neve... Imagine que uma cobertura de pêlos é como uma caixa de isopor numa viagem: serve tanto para evitar que o frango com farofa esfrie quanto para manter o suco de caju fresquinho. Por que haveria, então, um macaco bípede de savana, desenvolver a nudez?

Hipóteses que dizem que o homem perdeu a pelagem para resistir ao calor tórrido da savana africana são consideradas fracas devido à justificativa que acabei de apresentar sobre a importância da cobertura de pêlos. Outras dizem que somos todos pelados porque passamos a nos vestir e não necessitaríamos mais sermos peludos, porém, análises de DNA indicam que há mais de 1,2 milhão de anos perdemos nossa cobertura pilosa e, até o momento, não foram encontrados vestígios de vestimentas com mais de 300.000 anos. Ao que tudo indica, passamos cerca de um milhão de anos andando e caçando pela África sem ter onde guardar devidamente o R.G....

Uma hipótese curiosa diz respeito à alometriaà medida que as espécies tornam-se maiores ao longo da evolução, seus órgãos não crescem todos na mesma proporção. Todos os great apes têm praticamente o mesmo número de folículos na pele, consequentemente, quase o mesmo número de pêlos. Assim, os chimpanzés e bonobos têm os pêlos mais próximos uns dos outros, característica que os fazem parecer mais peludos que nós, que temos uma superfície da pele maior. Mas esta hipótese não se aplica – ou ignora – aos outros great apes maiores que nossa espécie, como orangotangos e gorilas, com densa pelagem, semelhante número de folículos e área da pele semelhante e/ou maior. A diferença parece ser, na verdade, o tamanho dos pêlos, o que não pode ser explicada pela hipótese alométrica.

Há ainda outras hipóteses, como a de que éramos carniceiros e a ausência de pêlos seria uma vantagem (estranho, pois o homem ainda retém a barba!); que a pele nua percebe melhor os contatos íntimos (então, por que retemos pêlos nas partes mais sensíveis, como áreas genitais, costas e peito?); que o fato de termos nos tornado nus indica que passamos por uma fase aquática – inspiração oriunda dos golfinhos, baleias e peixes-bois, todos sem pêlos (não há registro fóssil que suporte esta hipótese, além de não haverem indícios fisiológicos de que um dia fomos os hominídeos tenham sido adaptados ao ambiente aquático...).

Uma hipótese mais interessante diz respeito aos parasitas. É fato que muitos parasitas são transmissores de doenças ao ser humano, como carrapatos e piolhos. Além disso, diversos deles completam seus ciclos de vida dentro da área domiciliar do hospedeiro. A evidência mais antiga de assentamento hominídeo data de 1,8 milhão de anos, sendo esta vestígios de Homo habilis. Desde então, o homem adquiriu outras habilidades, como desenvolvimento de ferramentas, transporte de alimentos e materiais e divisão de comida e se tornou mais assim, digamos, caseiro.

Dá para imaginar como um assentamento hominídio deveria ser maravilhoso para os parasitas. Aqueles montes de mamíferos bípedes, todos próximos uns dos outros, desenvolvendo suas habilidades sociais e comunicativas facilitariam bastante a movimentação destes parasitas entre os indivíduos. E este problema com os sugadores de sangue teria se tornado tão grave que a ausência de pêlos seria muito interessante, mesmo que isso implicasse na perda de uma camada isolante contra a radiação solar e o frio. Tanto é que as medidas para a eliminação eficaz de parasitas sem uso de remédios são o corte de cabelos e a depilação das áreas infestadas de carrapatos e piolhos.

Esta hipótese é interessante, pois ela explica o porque das mulheres possuírem menos pêlos que os homens – elas passariam mais tempo dentro dos assentamentos que os homens; o porque da ausência de pêlo ter-se tornado uma característica atrativa em um parceiro sexual, pois passou a ser sinal de boa saúde – 98% das mulheres depilam axilas e pernas; que talvez a nudez tenha surgido antes do Homo sapiens, pois o Homo habilis já apresentava sinais de estabelecimento de grupos sociais em áreas fixas; a hipótese encontra sustentação em outras espécies de animais, cujas pelagens ralas estão relacionadas à baixa incidência de parasitismo.

Digamos que o assunto está um pouco longe e ser resolvido, e talvez nunca venhamos a saber o que exatamente desencadeou a tendência à nudez a espécie humana. Porém, a hipótese da proteção contra o parasitismo é bastante coerente, perto das outras, e faz todo o sentido. Pode ser que a proteção contra carrapatos e piolhos, sozinha, não tenha dado início à saga da perda de pêlos no Homo sapiens, mas é muito provável que ela tenha desempenhado um papel fundamental na evolução de nossa espécie.

Referência bibliográfica: RANTALA, M.J. 2007. Evolution of nakedness in Homo sapiens. Journal of Zoology, nº 273, pgs 1-7.